Custo de Atraso (cost of delay)

Nota de um dólar dentro de uma gaiola

Foto de Reynaldo "#brigworkz" Brigantty no Pexels

Toda pessoa que trabalha com produto, seja gestora ou não, já se deparou com dilemas de priorização. Discussões como “Será que devo negociar com o time de desenvolvimento para que aqueles itens de débito técnico sejam postergados para fazermos a funcionalidade Y?” são comuns e simples frente a situações mais complexas que acabamos tendo que lidar. Escolher raramente é fácil e cada contexto exige parâmetros e visões diferentes.

Por isso, encontramos vários métodos e frameworks de priorização no mercado, na literatura, dos simples aos altamente sofisticados: ICE, RICE, MoSCoW, Kano Model… Algumas pessoas também formulam seus próprios scores de priorização, com ponderações e índices, tentando levar em conta múltiplos fatores. É uma tentativa de regrar o que muitas vezes parece caótico.

No seu livro The Principles of Product Development Flow (leitura mais que recomendada), Donald Reinertsen indica medir e priorizar o trabalho pelo potencial de aumento do lucro da empresa que temos em mãos e podemos viabilizar através do que fazemos durante o ciclo de vida do produto. De modo simplificado: priorizar as evoluções, melhorias e inovações pelo potencial de resultado financeiro potencial.

Como esse entendimento do resultado é um problema dependente do contexto, Reinertsen propõe um princípio (não um modelo ou um framework) que deveria ser entendido, modelado e medido, independente de quão única é sua empresa: O princípio do custo de atraso (cost of delay).

Do que exatamente estamos falando?

Cost of Delay is a way to communicate the impact of time on the outcomes we hope to achieve. - Joshua James

Tentando ser sucinto e não (tão) errado: custo de atraso (cost of delay) é o potencial financeiro parado em filas por não termos aquela coisa (funcionalidade, projeto, melhoria, produto, etc) na rua. Não é o custo para construir, é o potencial de ganho/redução de risco (em dinheiro) que está represado, impossibilitado de poder ser realizado.

Por que precisamos discutir isso?

O custo de atraso é uma maneira de tomarmos melhores decisões de priorização. Dado que estamos falando de dinheiro no tempo, estamos tratando de valor de negócio e urgência ao mesmo tempo, estruturando uma mesma métrica comum para ponderar todas as coisas que queremos fazer, uma métrica compreensível e com reflexos claros do potencial de geração de resultado de negócio. Como comparo uma atualização de tecnologia que reduzirá as filas de processamento dos servidores com um redesign que tem potencial de reduzir chamados de dúvidas? Pelo potencial impacto no lucro.

A ideia de calcular o custo de atraso parte da proposição feita por Reinertsen que precisamos medir o impacto econômico das nossas decisões para tomarmos as melhores escolhas. Como gestores de produto, medir esse custo é uma das maneiras de entender o esse qual o resultado potencial que está na mesa, e o que a empresa perde ou ganha por priorizar fazer alguma coisa.

De acordo com Reinertsen, precisamos entender o impacto econômico do que fazemos (e deixamos de fazer) para além das métricas proxy, tais como ganho de performance do produto, aumento da inovação, redução do tempo de um processo, aumento de conversão em alguma etapa do nosso funil. As métricas proxy servem como referência e elo até o dinheiro, mas não nos ajudam sozinhas a entender o potencial de alavancagem no resultado da empresa.

Do que não estamos falando?

Ao medirmos o custo de atraso não estamos medindo o resultado efetivo. Estamos medindo o potencial de geração desse resultado, que deverá ser confrontado depois com o resultado gerado.

Não há garantias de que após o lançamento de uma nova funcionalidade haverá o aumento imaginado em novas contas ou de recompra dos clientes, mas é isso que precificamos com o custo de atraso. Há riscos e eles devem compor o custo de atraso.

Para além disso, há coisas que devem ser feitas junto e após o lançamento de um novo produto (ou funcionalidade, ou melhoria, ou correção, ou [coloque o nome do seu incremento de produto aqui]), como treinamento, comunicação interna, go-to-market, ações que servem para apoiar e impulsionar o atingimento do resultado potencial calculado.

Como começar a calcular o custo de atraso?

Para que seja possível calcular o custo de atraso, Reinertsen coloca três elementos a serem considerados:

  1. Valor para o usuário do negócio: o quanto o usuário do negócio (o cliente) potencialmente pagaria a mais devido isso existir? Atrairíamos novos clientes, seja ampliando sobre o público alvo atual ou sobre novos mercado? Poderíamos cobrar mais por ter isso no nosso produto ou portfolio? Isso faria com que os clientes pagassem mais ao longo do tempo, aumentando a retenção, o LTV (LifeTime Value), reduzindo o Churn?
  2. Criticidade da janela de tempo: o quanto a janela de oportunidade afeta o potencial de aumento de lucro? Há alguma data limite? Há algum momento que pode aumentar o potencial de resultado?
  3. Redução de risco e/ou Valor gerado por ativar (ou viabilizar) a oportunidade: o quanto de risco estamos reduzindo para o negócio em termos financeiros? Quais riscos reduzimos ou eliminamos? Quais as oportunidades tornamos possível de explorar quando temos isso?

Tendo em mente esses três componentes, entendo que podemos começar calculando o nosso custo de atraso através de três abordagens:

  • Qualitativa
  • Simplificada
  • Modelagem

Lembrando que nosso objetivo é entender o impacto do aumento da lucratividade no ciclo de vida do produto, tendendo ao infinito o trabalho necessário para detectar esses efeitos em sua plenitude. Portanto, o que buscamos é uma abordagem que cubra de modo satisfatório, ou seja, uma aproximação razoável.

Qualitativa

Proposto pelo Joshua James, não chega a ser um método de cálculo, mas uma maneira de começar a entender o custo de atraso. Ele propõe o uso de uma matriz de urgência x valor, tentando sensibilizar o entendimento dessas duas variáveis chaves do custo de atraso.

É excelente para complementar discussões, mas abre para alguns riscos, como o de excesso de urgências (tudo é urgente) e do excesso de valor (tudo tem muito valor).

Para quem lê em inglês, o artigo do site dele detalha mais sobre como utilizar essa abordagem.

Simplificada

O que entendo por modo simplificado consiste em determinar o resultado financeiro potencial de cada uma das iniciativas através do conhecimento já existente das pessoas. Determinamos um período de tempo (uma semana, um mês, um ano) como referência do total do resultado esperado e assim conseguimos comparar e discutir as iniciativas e projetos que temos na mesa.

Muitas pessoas e áreas de negócio/vendas/operações já possuem suas projeções de receita e custos, números de vendas potenciais, resultados esperados. O que fazemos é incentivar que esses números sejam compreendidos e colocados na mesa esses para discussão. Estamos valorizando muito do trabalho já feito e enriquecendo a conversa sobre o potencial financeiro que queremos gerar através do produto

O maior risco com essa abordagem são algumas caixas pretas no cálculo desse custo de atraso, com números inflados e muitas inferências de efeitos secundários ou terciários, sem correlação ou mesmo causalidade (Ex.: Se lançarmos essa funcionalidade nosso clientes irão utilizar mais o produto e assim tenderão a comprar os módulos adicionais).

Modelagem

A mais complexa das abordagens, mas também a que gera um resultado mais consistente para discussão e apoio a decisão. Consiste em estruturar um modelo matemático que expresse de modo satisfatório o custo de atraso no contexto do seu produto. É imprescindível não ignorarmos as variáveis financeiras, para não transformar o resultado da aplicação do modelo em um score numérico desconectado do potencial financeiro represado.

Repito, queremos chegar em um modelo satisfatório, com uma boa acurácia. Não estamos querendo substituir a tomada de decisão, e sim dar mais clareza e ter uma referência de comparação que seja compreensível e aceita.

O seu modelo precisa conter pelo menos:

  • Uma padronização do impacto financeiro:
    • O período de tempo padrão que será levado em conta (semana? mês? ano?) para o cálculo do impacto financeiro
    • Uma métrica financeira que servirá como base de comparação (receita? lucro operacional? lajir?)
    • Quais tipos de custos de atraso podem ser contabilizados?
      • Particularmente gosto bastante do modelo proposto pelo Joshua James, que separa em quatro tipos:
        1. Aumentar receita: fazer algo que potencialmente aumentará a receita gerada através do produto
        2. Proteger receita: fazer algo que potencialmente evitará a perda de uma receita
        3. Reduzir custos: fazer algo que potencialmente reduzirá algum custo
        4. Evitar custos: fazer algo que potencialmente evitará a criação ou o aumento de algum custo
  • Uma padronização do impacto da urgência
    • Como a pressão de data aumenta o custo de atraso?
      • Seja uma data legal ou uma data importante para lançamento de mercado
  • Uma padronização do impacto da incerteza
    • Como a confiança que temos no resultado impacta o custo de atraso?

Quatro tipos de impactos econômicos - Joshua James

Quatro tipos de impactos econômicos - Joshua James

Os empecilhos em aplicar essa abordagem estão na dificuldade inicial com o trabalho necessário para a construção e avaliação de um modelo e sua comunicação, treinamento de uso e evolução.

Pensar sobre o custo de atraso

Ao aplicar o conceito de custo de atraso, o que queremos é tomar melhores decisões, embasadas de modo suficiente e com entendimento do impacto econômico gerado por elas.

Calcular o custo de atraso (Cost of Delay) de nossas iniciativas e projetos é um processo de precificação. Serve como baliza para entendermos o potencial, discutir o impacto econômico, projetar o quanto de dinheiro temos parado nas nossas filas. E o resultado posterior deve ser acompanhado para calibrar nosso entendimento.

Referências

Agradecimentos ao Lula Rodrigues e a Eluza Pinheiro por ler, revisar, trazer melhorias e complementos

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